Certamente, ele tomou sobre si as
nossas enfermidades e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por
aflito, ferido de Deus e oprimido. Mas ele foi transpassado pelas nossas
iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas
pisaduras fomos sarados.
(Is 53. 4-5)
Você já
ouviu pregações que afirmam que o crente verdadeiro não pode aceitar a doença
em sua vida? Declarações como: “eu declaro em nome de Jesus que essa doença vá
embora!” É muito comum no meio evangélico, esses pregadores afirmam que sua
declaração de “fé” é poderosa para mudar as circunstâncias adversas da sua
realidade. Nosso real problema seria, nessa visão, os problemas de saúde, material
e fracassos nas realizações pessoais! Se isso é verdade, nossa fé não se
limitaria somente a este mundo (1Co 15. 19)? Alguns crentes não tomam remédios
porque não aceitam a doença em suas vidas, determinam, "brigam com Deus" e acreditam que suas enfermidades foram
curadas por sua fé!
Um dos
textos mais utilizados para fortalecer esse argumento de que o cristão não pode
ficar doente é Isaías 53.4-5, o qual afirma que Jesus levou sobre as nossas
dores e enfermidades. Se ele levou na cruz, toda doença e castigo significa que
não podemos ficar doentes? Alguns poderiam dizer que existe uma diferença entre
você crer pela fé nessa “promessa” e você não crer verdadeiramente, então,
nesse sentido o problema estaria na declaração de fé do crente e não na promessa.[1]
Por outro ângulo, a promessa para ser eficaz depende das ações dos homens, caso
contrário Deus não poderia cumprir suas promessas!
O teólogo
Anthony Hoekema, acertadamente esclarece sobre os sofrimentos que ainda fazem
parte da vida do crente:
...O sofrimento ainda acontece na vida de cristãos porque ainda
não foram eliminados todos os resultados do pecado. O Novo Testamento ensina
que “através de muitas tribulações, nos importa entrar no Reino de Deus” (At
14.22). Paulo conecta nosso sofrimento presente com nossa glória futura (Rm
8.17,18). E Pedro aconselha seus leitores a não se surpreender com o “fogo
ardente que surge no meio de vós, destinado a provar-vos, como se alguma coisa
extraordinária vos estivesse acontecendo”, mas antes “alegrai-vos na medida em
que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo” (1Pe 4. 12-13).[2]
As provações
e lutas que enfrentamos aqui são meios que Deus utiliza para nos tornar
progressivamente a imagem de Cristo, esse é o alvo principal revelado nas
Escrituras (Rm 8.28)! Francis Schaeffer falou sobre os privilégios que temos
aqui de desfrutar de experiências sobrenaturais antes de vermos Cristo face a
face: ...A eternidade será maravilhosa, mas há uma coisa que o céu não
terá: é a chamada, a possibilidade, e o privilégio de se viver uma vida
sobrenatural aqui e agora pela fé, antes de ver Jesus face a face.[3] Quando a igreja perde o proposito maior de
sua existência que é glorificar a Cristo como seu cabeça (Ef 1. 15-23; 2.11-22;
4. 7-16), ela perde sua identidade completamente! Se identificar com Cristo é
também sofrer por Ele e enfrentar os efeitos da Queda com alegria nele (Rm
8.17-18; Fl 4.4-7).
Mais uma vez cito Hoekema para avaliarmos o
estado espiritual da igreja pos moderna:
...É possível que a Igreja atual esteja tão envolvida em assuntos
materiais e seculares que o interesse pela Segunda Vinda esteja se desvanecendo
no segundo plano. É possível que muitos cristãos não mais creiam numa volta
literal de Cristo. É também possível que muitos dos creem num retorno literal
empurrem este evento para tão longe, no futuro distante, que não vivem mais na
espera dessa volta. Sejam quais forem as razões, a perda de uma viva
expectativa da Segunda Vinda de Cristo é um sinal de uma enfermidade espiritual
das mais sérias na Igreja....[4]
A igreja
deve viver na expectativa da volta de Cristo, quando ela não vive assim, demonstra
que seu olhar para as Escrituras mudou completamente! Essa interpretação
equivocada de passagens de redenção por meio de Cristo, como o de Isaías 53,
revelam o quanto os evangélicos atuais, não compreendem o Evangelho real! A
problemática dessa realidade pode ser descrita desta forma:
Todos
os homens aspiram ser salvos do sofrimento, porém não desejam ser salvos do
pecado. Gostariam de ter suas vidas salvas, mas querem continuar com suas
luxurias. De fato, muitos divergem nesse ponto. Ficariam contentes se alguns de
seus pecados fossem eliminados, mas não conseguem deixar o colo de Dalila nem
divorciar-se da amada Herodias. Não podem ser cruéis com o olho direito ou com
a mão direita....[5]
§ Entendo o texto de Isaías 53. 4-5
Essa é uma
profecia chamada de messiânica, que fala do Messias, como servo sofredor, que
leva sobre si as culpas e iniquidades do povo do Senhor! Muitos ao lerem essa
passagem erroneamente interpretam que o crente não pode ficar doente! Devido a
essa interpretação herética, muitos verdadeiros cristãos ficam em crise
emocional e espiritual, por passarem por sofrimentos na saúde e na vida
material. Se sentem inferiorizados na igreja que frequentam e o Evangelho para
eles que deveria ser fonte de consolo e força na caminhada cristã, é visto como
pedra de tropeço!
Se essa
interpretação do texto de Isaías 53.4-5 for correta, cria-se um gravíssimo
problema em toda a Escritura, porque em diversos textos é narrado, tanto no
Antigo Testamento como no Novo Testamento, que homens e mulheres de Deus
tiveram enfermidades (Jó 2.7-8; Is 38. 1-8; Sl 88; Sl 102. 1-7; 1 Tm 5.
23)! Se você acredita que a Escritura não tem contradições, o texto de Isaías
53 não pode ser interpretado da forma que os teólogos da prosperidade interpretam!
Então, qual é a interpretação correta do texto?
Vou expor
princípios interpretativos na interpretação de texto profético, que são
fundamentais para entender essa passagem:
1. Primeiro
princípio é que a Bíblia interpreta a própria Bíblia. Esse princípio interpretativo vale
para toda a Escritura, sendo essencial no processo de compreensão de qualquer
passagem. Logo, o ensino da profecia messiânica em Isaías 53 não pode estar em
contradição com o restante da Palavra de Deus.
2. Segundo
princípio é que a revelação é progressiva e portanto o texto profético se
cumpre progressivamente até seu clímax, a consumação do Reino Messiânico. Esse ponto ressalta a aplicação
dessa passagem. Sem dúvida Isaías 53. 4-5, como todo o capítulo, aplica-se a
Cristo, porém, seria essa aplicação somente na primeira vinda ou existem
aspectos que são aplicáveis na primeira vinda e outros somente na segunda? Será
que podemos entender que alguns aspectos podem ser aplicados na primeira vinda
parcialmente e ter o seu cumprimento absoluto na segunda vinda? Como afirmou
Van Groningen: ...O sentido é:
o que ele sofreu, nós merecemos....[6]
Abaixo
exemplifico a resposta para essas questões segundo a própria estrutura do texto
de Isaías 53:
Aspectos proféticos que se
cumpriram cabalmente na Primeira Vinda de Cristo
A humilhação de Cristo
o Versos 1-3: Não havia
nele nada que atraísse os homens, foi rejeitado, homem de dores, desprezado
pelos judeus que tanto aguardavam o Messias.
o Versos 4-5: Sofreu os
efeitos da Queda em seu corpo, e nos representou na cruz como Cordeiro
substituto, para que fossemos sarados (justificados e santificados
progressivamente)
o Versos 6-8: Estávamos
mortos em delitos e pecados, mas ele foi levado em nosso lugar para o
sacrifício como ovelhas muda, para sofrer o juízo em nosso lugar, por causa da
nossa transgressão foi ferido.
o Verso 10: Após a sua
morte na cruz foi sepultado em sepultura de rico. Morto sem culpa, sem pecado,
para que o SENHOR, o moesse em nosso lugar, para que a dívida que tínhamos com
o SENHOR fosse quitada de uma vez por todas nele.
Aspectos proféticos que se cumprirão
na Segunda Vinda de Cristo
o Verso 10 ...verá
a sua posteridade e prolongará os seus dias; e a vontade do SENHOR prosperará
nas suas mãos. A vontade do
SENHOR após moê-lo em nosso lugar na cruz, prosperará. O Servo Sofredor verá o
fruto do seu sacrifício e a justificação dos eleitos, e ficará satisfeito.
o Verso 12: Por isso, eu lhe darei muitos como a sua
parte,... O Pai dará a ele muitos eleitos, devido ao seu sacrifício remidor,
e Cristo intercederá por aqueles pelos quais morreu
Aspectos proféticos progressivos em seu
cumprimento entre a primeira e a segunda vinda de Cristo
As
enfermidades e dores que Jesus tomou sobre si, foram cumpridas parcialmente na
sua primeira vinda, quando curava os enfermos, para mostrar que a sua obra
substitutiva eliminaria completamente os efeitos da Queda sobre os eleitos. Textos que comprovam essa interpretação
no Novo Testamento:
Cumprimento parcial
Mt 8.
16-17: Chegada à tarde, trouxeram-lhe muitos endemoniados; e ele
meramente com a palavra expeliu os espíritos e curou todos os que estavam
doentes; para que se cumprisse o que fora dito por intermédio do profeta
Isaías: Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças.
Cumprimento Total
Ap 7.
16-17: Jamais terão fome, nunca mais terão sede, não cairá sobre eles o
sol, nem ardor algum, pois o Cordeiro que se encontra no meio do trono os
apascentará e os guiará para as fontes da água da vida. E Deus lhes enxugará
dos olhos toda lágrima.
Ap 21. 3-4: E lhes
enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto,
nem pranto, nem dor, porque as primeiras cousas passaram. E aquele que está
assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as cousas. E acrescentou:
escreve, porque as estas palavras são fiéis e verdadeiras.
O Dr. Van
Groningen explica esse simbolismo dentro da passagem de Isaías 53.4-5:
O simbolismo que nos vem à mente é a do bode
emissário, que tinha a iniquidade do povo colocada sobre ele, que a levava para
o deserto (Lv 16.22). O conceito de substituição é claramente proclamado. Toda
a tristeza, dor e sofrimento relacionados com essa enfermidade o Servo
experimenta, porque ... (ele pessoalmente levou-as). Tornaram-se suas quando
ele as tirou do povo em favor de que ele sofre.[7]
Dentro dessa
progressividade da revelação, vemos em outras passagens a expectativa no Antigo
Testamento por partes dos crentes, que o descendente da mulher removeria
definitivamente as maldições causadas pela Queda. Aparentemente Eva tinha essa
expectativa quando nasceu Caim, o que posteriormente mostrou-se o contrário de
sua esperança (Gn 4. 1). Lameque ao nascer Noé expressou sua expectativa de que
ele fosse o Messias que o livraria das maldições da Queda (Gn 5. 29): pôs-lhe o nome de Noé,
dizendo: Este nos consolará dos nossos trabalhos e das fadigas de nossas mãos,
nesta terra que o SENHOR amaldiçoou. O
SENHOR assumiu as maldições da quebra do pacto em lugar de Abraão ao passar
pelo meio dos animais partidos, simbolizando as consequências sobre aquele que
quebrasse a aliança (Gn 15. 12-21). Posteriormente é interpretado por Paulo e
aplicado a Cristo como sendo este que assumiu as maldições da Queda sobre si
(Gl 3. 6-17).
Portanto,
quando Isaías profetizou que Cristo levaria sobre si as nossas dores e
enfermidades, essa profecia se cumpriria
progressivamente, iniciando na primeira vinda, quando Cristo operava
milagres para mostrar que ele é o Redentor prometido que redimirá o seu povo e
a criação, e tendo o seu cumprimento
absoluto na segunda vinda
quando nossos corpos serão transformados a semelhança do corpo dele (1 Co 15.
50-58). Da mesma forma que ele ressuscitou Lázaro para mostrar que Ele é a
ressurreição e a vida, e quem crer nele, será ressuscitado no último dia (Jo
11. 21-26), os que foram curados na sua primeira vinda serviram para mostrar
parcialmente o que será realizado completamente e de forma definitiva na
segunda vinda! Isso não significa que Cristo não cure hoje, mas que nem sempre ele
cura ou livra o justo do sofrimento decorrentes da Queda ou da obediência ao
Evangelho, porque? A razão é simples, os efeitos da Queda sobre todos os
homens, como doenças, limitações de todas as formas, degradação da criação e
suas consequências, acidentes, e outros só serão removidos na glorificação (Rm
8.18)!
Outro fator
fundamental é que existe um plano muito maior por trás das circunstâncias
difíceis, com significado eterno, que é nos tornar a imagem dele
progressivamente mesmo em meio a aflições e sofrimentos temporários, por isso
todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, que são chamados
segundo o seu propósito (Rm 8. 17-18, 28-30)! A Redenção é um plano muito maior
que simplesmente nos livrar de dores transitórias!
A primeira vinda
de Cristo inaugurou o Reino, a Segunda Vinda consumará o Reino! Logo, estamos
no “já e ainda não”, vivemos as realidades presentes do Reino dos céus na
medida em que conhecemos a Cristo, nos despimos do velho homem e revestindo do
novo (Ef 4. 17-32). Nosso alvo é Cristo, por isso devemos correr a carreira que
na esta proposta, olhando firmemente para o autor e consumador da nossa fé (Hb
12.1-3), prosseguindo para o alvo, para o prêmio da soberana vocação em Cristo
Jesus, esquecendo as coisas que para trás ficam e avançando para as que estão
diante de nós (Fl 3.12-16), porque não somos daqueles que retrocedem para a
perdição, mas daqueles que prosseguem para a salvação, vivendo pela fé (Hb
10.32-39)!
Temos a
convicção inabalável que Cristo nos redimirá do pecado e dos seus efeitos de
uma vez por todas! Teremos plena comunhão com o Senhor e cantaremos com os
anjos diante daquele que está no trono e do Cordeiro (Ap 7.10): ...Ao nosso Deus, que se assenta no
trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação.
Márcio Willian
Chaveiro
(parte da
apostila de Hermenêutica – Instituto Bíblico Graça Irresistível)
[1] https://www.youtube.com/watch?v=qoaZ0iIQnhk
[2]
HOEKEMA, Anthony Hoekema, A Bíblia e o Futuro, Cultura Cristã, 1989, p.88
[3] SCHAEFFER,
Francis A. Schaeffer, Verdadeira Espiritualidade, Cultura Cristã, 1999, p. 94
[4]
HOEKEMA, 1989, p. 133
[5] ALLEINE, J. Alleine, Um Guia Seguro para o
Céu, PES, 2002, p.56
[6] GRONIGEN, Gerard Van Groningen,
Revelação Messiânica, LPC, 1995, p. 573
[7] GRONINGEN, 1995, p. 573
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