Vendo a mulher a Samuel, gritou em alta voz; e
a mulher disse a Saul: Por que me enganaste? Pois tu mesmo és Saul.
Respondeu-lhe o rei: Não temas; que vês? Então, a mulher respondeu a Saul: Vejo
um deus que sobre da terra. Perguntou ele: Como é a sua figura? Respondeu ela:
Vem subindo um ancião e está envolto numa capa. Entendendo Saul que era Samuel,
inclinou-se com rosto em terra e se prostrou.
(1 Samuel 28. 12-14)
Esse texto narra o que ocorreu com Saul no
final da sua vida, devido ao desespero que vivia por Deus ter o deixado, Samuel
era morto e os filisteus estavam acampados diante de Israel para a guerra e
Davi estava naquele momento entre os filisteus (28.3-5). Por causa de toda essa
situação o medo dominou o coração de Saul! Como Deus já o respondia, foi
disfarçado desesperado consultar uma
médium em Em-Dor (28. 6-8). Com esse contexto imediato em mente podemos
entender um pouco a passagem acima.
É importante que você saiba que uma passagem
“narrativa” se propõe apenas a narrar o fato histórico sem entrar em detalhes
se aquele ato foi bom ou ruim aos olhos do Senhor, com raríssimas exceções o
autor coloca que Deus não aprovou o que ocorreu (2 Sm 11.26-27).
Como podemos interpretar uma passagem
narrativa? Vou apresentar alguns princípios:
§ O primeiro princípio é utilizar os
mandamentos do Senhor para avaliar se aquela experiência narrada é correta ou
não: No caso da consulta de Saul a médium de
Em-Dor existem mandamentos que claramente condenam essa atitude antes de Saul.
Em Levítico 20. 27 a lei diz que o
israelita que consultasse os mortos por meio de necromante deveria ser morto
apedrejado, para que servisse de exemplo para os outros e a não toda não fosse
condenada ao ser influenciada por essa prática pagã. Em Deuteronômio 18. 9-14 é a repetição da Lei para o povo de Israel
antes de entrar na terra prometida, dentre várias ordens que são dadas pelo
Senhor por meio de Moisés, é repetido a ordem de não imitarem as nações que
viviam em Canaã, que queimavam seus filhos como sacrifico aos seus deuses
pagãos, consultavam os mortos. Por essa razão a médium de Em-Dor estava com
medo de ser morta ao descobrir que era Saul o que a consultava (28. 9,12)!
Outros textos nas Escrituras reafirmam a condenação àqueles que consultam os
mortos (1 Co 6.9-11; Ap 21.8).
§ Segundo princípio é observar no
próprio texto narrativo incoerências na experiência: O que desejo dizer com isso é que a leitura da narrativa, que
narra o fato como realmente ocorreu, revela alguns detalhes que lançam luz para
uma correta interpretação. Observe esses detalhes no texto:
a)
Saul estava disfarçado para não ser
reconhecido pela médium (28.8)
b)
A mulher pergunta quem deveria subir
dos mortos (28.11). Ela não era médium? Porque a pergunta sobre quem deveria
subir dos mortos?
c)
É a mulher que vê o suposto Samuel e
não Saul (28.12). A visão toda parte da mulher e não de Saul.
d)
Ela não viu claramente que era Samuel,
disse que via um deus que subia da terra, um ancião envolvido por uma capa
(28.13-14). A descrição mostra uma seção espirita, semelhante ao que ocorre
ainda hoje, onde a pessoa tem uma visão espiritual de um suposto morto e depois
é possuída por esse espírito maligno disfarçado e fala com a pessoa.
e)
Saul entendendo, deduzindo que fosse Samuel, inclinou-se com o rosto em
terra e se prostrou (28. 14). Saul estava emocionalmente amedrontado e
desesperado por acreditar que Samuel pudesse voltar dos mortos para falar com
ele, o que naturalmente contribuiu para que “entendesse” que fosse realmente o
profeta.
f)
A partir do verso 15 não é dito que a
mulher fala, somente depois da profecia contra Saul ter terminado que a mulher
volta a falar diretamente a Saul (28. 21-25). Lembra que Saul não tinha visto
Samuel, deduziu que fosse ele, quem viu foi a médium, como então, agora Samuel
fala diretamente para Saul? É porque a mulher após ter a visão do suposto
Samuel, é possuída pelo espirito maligno que fala através dela com voz
semelhante a de Samuel para enganar a Saul, é claramente uma sessão espirita!
g)
Como posso afirmar que não se tratava
do verdadeiro Samuel? Por algumas razões: 1) a profecia do suposto Samuel não
se cumpriu cabalmente, quando afirmou que Saul e todos os seus filhos seriam
mortos na guerra, Is-Bosete não morreu. Para ser um profeta verdadeiro da parte
do Senhor era necessário que sua profecia se cumprisse completamente (Dt 18.
15-22; 1 Sm 28.19; 2 Sm 2. 8-10, 4.5-12; ); 2) Samuel era um verdadeiro
profeta, logo, o ancião da visão da mulher não poderia ser Samuel, então quem
era? Tratava-se de um demônio designado para ser um espirito de mentira na boca da médium, como a Escritura afirma ter
ocorrido algumas vezes, como no caso do espirito mentiroso permitido pelo
Senhor para enganar o rei Acabe por meio dos falsos profetas, para que este rei
perverso morresse na guerra contra a Síria (1 Rs 22. 19-22); 3) Mortos não
voltam para trazer notícias ou profecias para os vivos, só voltam a vida por
meio da ressurreição que são tipologias[1] da
ressurreição final (Jo 11. 23-27), o que não é o caso do suposto Samuel. Jesus
deixou claro que é impossível o retorno dos que morreram para trazer alguma
notícia ou aviso aos vivos e depois retornarem ao seu estado de morte, ao
contar a parábola do rico e Lazaro, onde o rico pede a Abraão pra voltar e
avisar seus irmãos, para que os mesmos não fossem pra o inferno (Lc 16. 27-31).
Em Hebreus o autor ao defender que o sacrifício de Cristo foi realizado uma
única vez para remissão de pecados, utiliza como exemplo para provar esse
argumento o fato do homem morrer uma única vez e depois disso vem o juízo (9.
23-28).
Acredito que estes argumentos sejam
suficientes para dar diretrizes quanto à interpretação de uma narrativa
bíblica! É um grave erro as pessoas usarem narrativas para afirmar que viverão
experiências semelhantes, sejam boas ou ruins. Cada narrativa tem seu propósito
revelacional e deve ser entendido dentro do contexto geral das Escrituras.
Márcio Willian Chaveiro
(parte da apostila de Hermenêutica do
Instituto Bíblico Graça Irresistível)
[1]
Tipologia é uma forma prévia e limitada que aponta para um cumprimento absoluto
e perfeito. A ressurreição desses mortos na Bíblia tanto pelos profetas,
apóstolos e principalmente por Cristo, apontavam para a ressurreição final,
como o próprio Senhor Jesus ensinou a Marta antes de ressuscitar Lazaro (Jo 11.
23-27).
Nenhum comentário:
Postar um comentário