terça-feira, 29 de setembro de 2015

A VELHA DISCUSSÃO SOBRE LIVRE ARBÍTRIO!


Essa é uma discussão interminável no meio teológico, a liberdade moral do homem. Atualmente, com um despertar na juventude cristã em estudar a Teologia Reformada, esse tema da liberdade humana tem sido um dos pontos mais discutidos na internet. Alguns utilizam desse ponto de discussão para irresponsavelmente promover debates inúteis, que em nada contribuem para o crescimento da igreja em Cristo. Anthony Hoekema fala que essa discussão acalorada e muitas vezes infrutífera teologicamente em alguns casos, é antiga:
...Tem havido muito debate sobre esse assunto. Algumas vezes, essa discussão tem gerado mais calor do que luz por causa da ambiguidade de vários termos que são usados. Palavras como livre, liberdade, volição e vontade podem adquirir significados tão diversos que as pessoas envolvidas no debate sobre a liberdade humana podem estar falando a mesma linguagem com sentido completamente diferente[1].
Preciso esclarecer que o termo “livre arbítrio” (no latim é liberum arbitrium) não é um termo bíblico, mas filosófico e teológico. A sua origem vem do “estoicismo”[2] e devido a convivência da filosofia grega com o cristianismo a partir do segundo século, ela tornar-se um termo teológico. A partir de então, foram tentados várias formas de dar sentido teológico a partir das Escrituras.[3] Por esse histórico, já devemos entender que toda a discussão sobre esse tema, como também dos demais, deve ser tratado com os limites das Escrituras e não da Filosofia. O teólogo Hoekema entende que esse termo “livre arbítrio” é infeliz e prefere usar “escolha ou verdadeira liberdade”.[4]
Como é comum o uso desse termo “livre arbítrio”, utilizarei com fins didáticos. Também definirei outro termo igualmente utilizado na Sistemática, a “livre agência”. O entendimento desses dois termos contribuirão muito para o nosso estudo.

Livre arbítrio

Na visão humanista o livre arbítrio é:...uma crença religiosa ou uma proposta filosófica que defende que a pessoa tem o poder de decidir suas ações e pensamentos segundo seu próprio desejo e crença...[5] Basicamente, entende-se que a vontade governa independente das outras faculdades da natureza humana as nossas decisões. Mas a nossa visão é conduzida pelas Escrituras e não pela filosofia.  Cremos que o livre arbítrio é a capacidade de viver em conformidade perfeita com a vontade de Deus ou não, e que somente Adão no estado de inocência teve essa liberdade.
Quando Deus criou Adão, ele era perfeito, santo e integro, mas como um ser livre moralmente, podia tomar decisões contrárias à sua natureza santa, que chamamos de livre arbítrio. Se livre arbítrio foi entendido como sendo a liberdade da vontade independente das outras faculdades do homem, então, não existe livre arbítrio. Assim afirmou Berkhof:
A vontade humana não é uma coisa inteiramente indeterminada, uma coisa solta no ar, e que pode pender arbitrariamente numa ou noutra direção. Ao invés disso, é uma coisa arraigada em nossa natureza, ligada aos nossos mais profundos instintos e emoções, e determinada por nossas considerações intelectuais e por nosso próprio caráter.[6]
            Por essa razão, quando Adão pecou contra Deus, todo o seu ser foi afetado pelo pecado, e não somente a vontade. A sua razão, suas afeições, seus desejos, sua carne, tudo foi atingido pelo pecado. E tudo deverá ser restaurado em Cristo! Vemos no relato bíblico claramente que Adão era em sua natureza uma integralidade de todas as faculdades:
a)      Um ser Pessoal, racional, moral, com afeições (Gn 1.27)
b)      Um ser relacional (Gn 2. 23-24)
c)      Um ser com vontade própria (Gn 3.6)
d)      Um ser capaz de estabelecer julgamentos (Gn 1. 28)
e)      Um ser religioso (Gn 2.1-3)
f)       Um ser autoconsciente (Gn 2.20)
g)      Um ser responsável por seus atos (Gn 2.16-17)

Se Adão não pudesse tomar decisões contrárias a sua natureza santa, que sentido teria a ordem de Deus para não comer da arvores do conhecimento do bem e do mal (Gn 2. 16-17)? Quando Adão peca contra Deus, o faz consciente da sua desobediência, ele pensa, reflete e come, não faz simplesmente movido por vontade (Gn 3. 6-7).

Livre Agência
 Como o homem perdeu sua capacidade natural de obedecer a Deus plenamente com a Queda de Adão, ele não desfruta de livre arbítrio após a Queda, mas tem a livre agência, age em conformidade com sua natureza. A livre agência é a liberdade do homem de tomar decisões morais a partir da sua natureza pecaminosa e a inabilidade de tomar decisões contrárias a sua natureza. Significa que ele é escravo de si mesmo! Calvino cita Agostinho nesse ponto, que afirmou que: o homem, fazendo mau uso do livre-arbítrio, perdeu-o, e perdeu-se, e que o “livre-arbítrio está em cativeiro e não pode fazer bem algum”.[7] Logo, a livre agência é a expressão máxima desse cativeiro em que o homem vive, presumindo ser livre em suas escolhas! Ele não é manipulado por Deus, é manipulado por si mesmo, pelos seus pecados escravizadores.
A Confissão de Fé de Westminster em seu capítulo IX, 1 e 2, assim declara sobre o estado original do homem e sua liberdade de escolha (1): Deus dotou a vontade do de tal liberdade natural, que ela nem é forçada para o bem nem para o mal, nem a isso é determinada por qualquer necessidade absoluta de sua natureza. Em seguida a Confissão diz (2): O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder.[8] A Confissão de Fé Batista de 1689 faz uma esclarecedora declaração sobre os efeitos do pecado na liberdade humana, retirando o seu livre arbítrio e escravizando-a:
Deus dotou a vontade humana com a liberdade e o poder natural de agir por escolha, sem ser forçada ou predeterminada por alguma necessidade para fazer o bem e o mal.
O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade para fazer bem ou o mal. O homem em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder de querer e fazer aquilo que era bom e agradável a Deus. Essa, porém, era uma condição mutável, pois o homem podia decair dessa liberdade de poder.
Com a Queda no pecado, o homem perdeu completamente toda a sua habilidade volitiva para aquele bem espiritual que acompanha a salvação. Por isso, o homem natural é inteiramente adverso a esse bem, e está morto em pecados. Ele não é capaz de se converter por seu próprio esforço, e nem mesmo de se dispor a isso.
Quando Deus converte um pecador, e o transfere para o estado de graça, Ele o liberta da sua escravidão natural do pecado, e, somente pela graça, o habilita a livremente querer e fazer aquilo que é espiritualmente bom. Mesmo assim, por causa de certas corrupções que permanecem, o homem redimido não faz o bem perfeitamente e nem deseja somente aquilo que é bom, mas também o que é mau.
Somente no estado de glória a vontade do homem será transformada, perfeita e imutavelmente; e então será livre para fazer apenas o bem.[9]

Um bom exemplo com relação a essa inabilidade do homem após a Queda em fazer a vontade de Deus naturalmente, são nossas escolhas que são limitadas ao que esteja em sintonia com a nossa natureza. Por exemplo, um homem pode escolher atravessar ou não uma ponte, o que ele não pode escolher é voar sobre a ponte -- a sua natureza o impede de voar. De forma semelhante, um homem não pode escolher tornar-se justo - sua natureza (pecaminosa) o impede de cancelar a sua culpa (Romanos 3:23). Assim, o livre-arbítrio é limitado pela natureza.[10]

Com essa perspectiva precisamos avaliar biblicamente como aplicar o livre arbítrio para o homem nos seguintes estágios: a) antes da Queda; b) após a Queda; c) Estado de Glória.

Primeiro Estágio:
O Livre Arbítrio
Antes da Queda

Antes da Queda Adão era moralmente livre, santo e puro. Suas decisões morais estavam de acordo com sua natureza santa, contudo ele podia tomar decisões contrárias a sua natureza. Adão possuiu essa capacidade de fazer tudo o que era justo e santo, mas também foi dotado com a capacidade de fazer alguma coisa que era contrária à santidade com que foi originalmente criado. Ele possuiu aquilo que ninguém hoje mais possui, isto é, a capacidade de fazer algo que é contrário à sua natureza moral. Ele teve, nesse sentido, a capacidade para uma escolha contrária, isto é, com natureza santa, escolheu o que era mau.[11]
Adão foi criado com o livre arbítrio, ou seja, a capacidade de fazer algo contrário à sua natureza santa, como também com a livre agência, a liberdade de agir de acordo com sua natureza. O homem não foi criado com uma indiferença moral, se assim fosse, permaneceria dessa forma sem agir de modo algum! A indiferença moral ou total neutralidade é impossível a nossa natureza, mesmo antes da Queda. Deus criou o homem santo, mas com uma santidade mutável. O homem é movido pelo seu interior, sua inclinação natural, que após a Queda é o pecado que o move em todas as direções.


Segundo Estágio:
Após a Queda

Toda a natureza humana foi afetada pelo pecado, sua inclinação natural é para o mal. O Livre arbítrio foi completamente perdido na Queda, o homem agora possui apenas a livre agência. Significa que tanto o ímpio, como o crente, age de acordo com sua natureza. No caso do crente, ele tem duas naturezas, o novo homem e o velho homem, a que for mais alimentada é que guiará a decisões morais. O ímpio tem apenas a natureza corrompida, e age em conformidade com sua natureza caída (Rm 3. 9-23). Francis Schaeffer comentando essa passagem citada, diz:
Na verdade, o homem é uma maravilhosa criação de Deus. Acontece que ele também é um ser rebelado contra Deus e merece a ira de Deus. O homem não é um ser patético, o homem é um ser rebelde. Não é como se o homem estivesse desesperadamente preso em uma rede da qual não tivesse como escapar; ele está preso numa rede, certo, mas ele está lá por opção própria. E se homens e mulheres estão presos nesta rede por escolha própria, diz a Bíblia, então há algo mais em jogo: eles precisam aceitar a responsabilidade, a culpa por estar ali.[12]
O Dr. Heber Carlos de Campos mais uma vez contribui para elucidar essa diferença de ação moral com a Queda:
Mas é importante que não percamos de vista este ponto: o ser racional é sempre movido pelo seu ego. Nunca ele é movido por outra coisa que não seja por seu próprio ego. Quando ele faz coisas pecaminosas, ele obedece ao seu ser interior pecaminoso. Quando ele faz coisas santas e justas, ele o faz mediante o seu eu interior que foi renovado pelo Espírito Santo. A responsabilidade dele sempre estará diretamente ligada à voluntariedade do seu ato. Todos os atos dele devem ser auto-inclinados e auto-determinados. O homem possui responsabilidade em tudo que faz, porque tudo que faz é produto das disposições de sua natureza interior.[13]

A Confissão de Fé de Westminster (IX, 3) assim declara acerca do homem após a Queda e os efeitos do pecado em sua natureza:
O homem, ao cair no estado de pecado, perdeu inteiramente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que acompanhe a salvação; de sorte que um homem natural, inteiramente avesso a esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu próprio poder, converter-se ou mesmo preparar-se para isso.[14]


Figura 1


          A figura 1 ilustra a totalidade da natureza humana e revela que o homem foi totalmente afetado pelo pecado, e vive em conformidade com essa natureza corrompida. Logo, o homem age de acordo com suas convicções e inclinações internas. Ele é o que sua natureza é. Não existe nele a condição, após a Queda, de tomar decisões contrárias a sua natureza, apenas age em conformidade com ela. Por isso o crente depende da capacitação e graça de Deus em seu ser para tomar decisões santas. O apóstolo Paulo revela essa ação moral de responsabilidade do crente e a ação conjunta do Senhor em leva-lo a agir (Fl 2. 12-13):
 
Assim, pois, amados meus, como sempre obedecestes, não só na minha presença, porém, muito mais agora, na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.
O Senhor age poderosamente em nossa nova natureza em Cristo nos capacitando a obedecer a sua vontade e ser progressivamente recriado em Cristo. Esses irmãos de Filipos deveriam, mesmo na ausência de Paulo, desenvolver a santificação no viver diário todo o tempo de suas vidas, se esforçando ao máximo. Mas os cristãos de Filipos deveriam também entender que não poderiam produzir frutos de justiça sem que Deus os capacitassem a isso. Como disse o Senhor Jesus (Jo 15.4): Como não pode o ramo produzir fruto de si mesmo, se não permanecer na videira; assim nem vós o podeis dar, se não permanecerdes em mim. Da mesma forma, os filipenses só poderiam operar a sua própria salvação permanecendo num vivo e ativo contato com Deus.[15] Assim é com todos os crentes.
           
Terceiro Estágio:
Estado de Glória
            No estado de glória todas as maldições, pecados, dor e sofrimentos serão completamente removidos (Ap 21.4): E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras cousas passaram. Será a consumação de todas as Promessas Redentoras, o Reino de Deus restaurado pelo Cristo e entregue ao Pai (1Co 15.20-28). O pecado não foi criado por Deus, não fazia parte da nossa natureza original, portanto, pode ser removido completamente pela representação de Cristo, o segundo Adão (Rm 5. 17).
E a vontade humana, como ficará no estado de glória? Primeiro, precisamos entender que a vida eterna se inicia no momento da regeneração e conversão. Somos nesse momento libertados da escravidão do pecado e caminhamos no processo da santificação em Cristo (Rm 6. 18): e, uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça. Mas mesmos salvos pela graça, lutamos contra o velho homem diariamente, pois temos duas naturezas, a do Velho Homem e a do Novo Homem, que viverão em conflito até aquele Dia em que seremos completamente transformados em glória (Rm 7. 20-25; Ef 4. 17-32; Cl 3. 5-11).
Em segundo lugar, como crentes temos duas naturezas, uma santa e uma ímpia, o que já expliquei anteriormente. Logo, caminhamos em direção a Cristo lutando contra os nossos desejos pecaminosos que fazem guerra em nosso interior, precisamos mortificar a velha natureza (Cl 3. 5): Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena; prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria. Tiago também afirmou que as lutas ocorrem dentro de nós, por causa dos nossos desejos pecaminosos (Tg 4.1): De onde procedem guerras e contendas que há entre vós? De onde, senão dos prazeres que militam na vossa carne? Portanto, da nossa conversão até o momento que nos encontraremos com Cristo, temos que caminhar com perseverança a carreira que nos está proposta, desembaraçando de todo o peso e pecado que nos cerca o tempo todo (Hb 12. 1-3)! Temos que prosseguir para o alvo, para o prêmio da soberana vocação em Cristo (Fl 3. 12-16). Sabendo que sempre travaremos guerra contra a nossa velha natureza, como se carregássemos amarrado ao nosso corpo um cadáver apodrecendo (Rm 7.24): Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Somente quando Cristo voltar seremos transformados a sua imagem e semelhança e nos veremos completamente livres dessa velha natureza inimiga da nova natureza que se refaz em pleno conhecimento de Cristo (Cl 3.10)! A Confissão de Fé de Westminster nos ajuda a entender esse ponto ao dizer (IX, 4):
Quando Deus converte um pecador e o transfere para o estado de graça, ele o liberta de sua natural escravidão ao pecado e, somente por sua graça, o habilita a querer e a fazer com toda liberdade o que é espiritualmente bom, mas isso de tal modo que, por causa da corrupção ainda existente nele, o pecador não faz o bem perfeitamente, nem deseja somente o que é bom, mas também o que é mau.[16]
Terceiro, no estado de glória seremos livres completamente de qualquer influencia interna ou externa do pecado. Não teremos livre arbítrio como Adão, porque não teremos a possibilidade de pecar, de escolher alguma coisa contrária a nossa natureza santa. Continuaremos a ter a livre agência, agiremos em conformidade com a nossa natureza perfeita, santa e reta perante o Senhor! Em Cristo, nunca mais teremos a possibilidade de pecar contra o nosso Deus (Rm 8.29). A glória de Cristo será revelada em nós (Rm 8. 18). E cantaremos diante daquele que está no trono e ao Cordeiro que está ao lado (Ap 7. 10): ...Ao nosso Deus, que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação.

Logo, somente no estado de glória desfrutaremos da consumação da vitória de Cristo na cruz em nosso lugar, e seremos completamente transformados a imagem de Deus. A nossa vontade será livre de acordo com a nossa natureza redimida, e alegremente louvaremos ao Senhor por todo o sempre! Concluo essa parte com a afirmação da Confissão de Fé de Westminster (IX, V): É no estado de glória que a vontade do homem se torna perfeita e imutavelmente livre para o bem só.[17]
    
O Conceito Reformado
de Liberdade Humana

O Dr. Heber deu aula para mim e outros colegas no curso de convalidação de teologia na Universidade Presbiteriana Mackenzie de Antropologia, e na ocasião fez um slide que exemplificava o ponto de vista Reformado sobre o Livre Arbítrio do homem e outro quadro com a visão humanista do mesmo. Abaixo coloco na íntegra a forma que nos foi exposto pelo brilhante professor:

  
Estados do Homem
Liberdade Natural
 (Livre Agência)
Liberdade Espiritual
Liberdade de Escolha (Livre Arbitrio)
ESTADO DE SANTIDADE
SIM
SIM
SIM
ESTADO DE PECADO
SIM
NÃO
NÃO
ESTADO DE GRAÇA
SIM
SIM
NÃO
ESTADO DE GLÓRIA
SIM
SIM
NÃO

Definindo cada conceito de liberdade do homem, conforme o quadro:
a)      Liberdade Natural: é o mesmo que liberdade de agência, a capacidade que os seres racionais têm de fazer quaisquer coisas que eles querem, gostam, de acordo com a sua natureza.
b)      Liberdade Espiritual: é a capacidade dada aos cristãos de fazerem coisas que agradam a Deus, em conformidade com suas leis santas e justas, no caso do crente, faz em Cristo.
c)      Liberdade de Escolha Contrária: é o mesmo que livre arbítrio, a capacidade de agir contrária a natureza. Nesse caso, nem mesmo Deus tem essa liberdade, porque age de acordo com sua natureza santa e perfeita e jamais poderá agir contra a sua natureza!
Como no inicio disse sobre esse aspecto na antropologia bíblica, é um assunto extremamente complexo e cheio de desafios para uma construção correta sobre a liberdade moral do homem. Podemos ir até onde a Escritura vai, submeter essa revelação a nossa limitada compreensão é no mínimo tolo!
O grande teólogo de Genebra, João Calvino faz uma didática explicação sobre a forma como Satanás governa os ímpios, conduzindo suas naturezas caídas a rebeldia contra Deus:
...O que se diz, então, é que a vontade do homem natural está sujeita ao senhorio do Diabo, sendo por ele conduzida, o que não significa que seja constrangida pela força e sem a sua aprovação, como se força um servo ou um escravo a fazer o trabalho, por mais que este o deteste. Nós entendemos, porém, que, sofrendo os abusos e as mentiras do Diabo, é por necessidade, e não por constrangimento, que a vontade se sujeita a obedecer ao que o Diabo quer. Sim, porquanto aqueles que não recebem de Deus a graça de serem governados por seu Espírito, são abandonados e deixados com Satanás, para serem conduzidos por ele. Por essa causa, diz o apóstolo Paulo que o Deus deste mundo (o Diabo) cegou o entendimento dos incrédulos para que não vejam a luz do evangelho. E, noutro lugar, diz ele que o Diabo reina em todos os ímpios e desobedientes. A cegueira de todos os praticantes do mal e todos os malefícios resultantes são declaradamente obras do Diabo, e, todavia, não é preciso procurar a causa fora da vontade humana, da qual procede a raiz do mal e na qual está a base do reino do Diabo, quer dizer, o pecado.[18]
O Diabo governa o entendimento dos ímpios, mas os ímpios são prazerosamente governados pelo Diabo! A natureza caída é rebelde ao Senhor e Satanás utiliza dessa realidade existencial dos ímpios para os conduzirem a todo tipo de pecado contra o Senhor. O desejo deles é romper completamente com as “amarras” do SENHOR e do seu Ungido, formando uma conspiração politica e ideológica contra Deus (Sl 2.1-3): Por que se enfurecem os gentios e os povos imaginam cousas vãs? Os reis da terra se levantam, e os príncipes conspiram contra o SENHOR e contra o seu Ungido, dizendo: Rompamos os seus laços e sacudamos de nós as suas algemas.
Considerações Finais
O homem foi criado perfeito, santo e justo, mas com a vontade mutável. Ele tanto tinha a livre agência, que é a liberdade de tomar decisões de acordo com a sua natureza, como também com o que chamamos de “livre arbítrio”, que era a capacidade de tomar decisões contrárias a sua natureza santa.
Com a Queda o homem perdeu a vontade contrária a sua natureza (livre arbítrio) para sempre. Significa que sempre agirá em conformidade com sua natureza, no caso do ímpio, será sempre escravo de si mesmo, do mundo e do Diabo (Ef 2. 1-1-3). No caso do crente salvo pela graça, ele tem duas naturezas, a do velho homem e do novo homem que se reveste de santidade em Cristo progressivamente (Cl 3.10). No entanto, o crente sempre agirá de acordo com uma das duas naturezas, a que for mais alimentada espiritualmente, e, portanto, não tem vontade contrária, ou livre arbítrio, apenas age de acordo com a natureza.
No estado de glória, o homem redimido por Cristo desfrutará de uma perfeição absoluta e plena. Não terá mais pecado, maldições, dor ou sofrimentos! Sua natureza será santa, reta e justa em Cristo! Logo, não terá vontade contrária (livre arbítrio) o que nos garante que jamais voltaremos ao estado que a Queda nos colocou, porque o segundo Adão cumpriu tudo em nosso lugar e nos garantiu absoluta vitória! A Ele e ao Pai seja toda a glória eternamente!

Reverendo Márcio Willian Chaveiro
(Essa reflexão teológica é parte da apostila de Antropologia Bíblica do Instituto Bíblico Graça Irresistível)



[1] HOEKEMA, Anthony Hoekema, Criados à Imagem de Deus, Cultura Cristã, 1999, p.251
[2] O estoicismo foi fundando por Zelão (335-223 a. C.). Defendia que a lógica era o que sustentava a física e a ética. Por essa razão, a discussão sobre a liberdade humana foi  tão limitada pela lógica humana e não pela Escritura (fonte: SEERVELD, C. G. Seerveld, Enciclopédia Histórico Teológica da Igreja Cristã, Vida Nova, 1992,  p. 81-82
[3] MCGRATH, Alister E. Mcgrath, Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica, SHEDD, 2005, p. 507
[4] HOEKEMA, Anthony Hoekema, 1999, p.251
[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Livre-arb%C3%ADtrio
[6] BERKHOF, Louis Berkhof, Teologia Sistemática,  p.71
[7] CALVINO, Institutas, 2006, p. 99
[8] Confissão de Fé de Westminster, Cultura Cristã, 1997, p. 57
[9] FERREIRA & MYATT, Franklin  Ferreira e Alan Myatt,  2012, p. 459
[10] http://www.gotquestions.org/Portugues/livre-arbitrio.html
[11] CAMPOS, Heber Carlos de Campos, Apostila de Antropologia – não publicada
[12] SCHAEFFER, Francis A. Schaeffer, A Obra Consumada de Cristo, Cultura Cristã, 2003, p.74
[13] CAMPOS, Heber Carlos de Campos, Apostila de Antropologia – não publicada
[14] Confissão de Fé de Westminster, Cultura Cristã, 1997, p. 57
[15] HENDRIKSEN, William Hendriksen, Filipenses, Cultura Cristã. 1992, pp. 158162
[16] Confissão de Fé de Westminster, Cultura Cristã, 1997, p. 58
[17] Confissão de Fé de Westminster,  1997, p. 59
[18] CALVINO, João Calvino,  AS INSTITUTAS, Volume I, Cultura Cristã, 2006, pp. 136-137

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