O escritor Arthur Schopenhawer, em
seu pequeno livro “A Arte de ter Razão”,
fala sobre o perigo de debater pelo simples prazer de ganhar, revelando nisso a
vaidade inata em todo homem:
De onde se origina isso? Da
maldade natural do gênero humano. Se ela não existisse, se fossemos
inteiramente honestos, em todo debate visaríamos apenas a trazer a verdade à
luz, sem sequer nos preocuparmos se ela corresponde à opinião apresentada de
inicio por nós ou à alheia: seria indiferente ou, pelo menos, totalmente
secundário. Mas agora vem o principal. A vaidade inata, particularmente
suscetível no que concerne à inteligência, não quer que nossa afirmação inicial
resulte falsa e a do adversário, correta. Se fosse assim, cada um deveria
meramente esforçar-se para julgar apenas e depois falar. Porém, à vaidade inata
associam-se, na maioria dos indivíduos, uma verbosidade e uma desonestidade
também inata. Falam antes de pensar e, mesmo se depois percebem que sua afirmação
é falsa e que não tem razão, tal situação deve parecer contrária. O interesse
pela verdade, que na maioria dos casos foi o único motivo para sustentar a
proposição considerada verdadeira, acaba cedendo totalmente ao interesse da
vaidade: o verdadeiro deve parecer falso, e o falso, verdadeiro[1].
Somente o verdadeiro cristão tem
condições dadas por Deus, para lutar contra o orgulho que o tenta a debater ou
apresentar o Evangelho aos que não creem, sem que sejam dominados pela vaidade.
Devemos pregar o Evangelho, é ordem do Senhor Jesus a sua igreja, para cumprir
a missão da Grande Comissão (Mt 28. 18-20). Temos que desenvolver a teologia a
partir de reflexões. Contudo, corremos o risco de ceder a tentação de expor a
verdade pelas motivações incorretas, como faziam os opositores de Paulo (Fl 1.
15-18).
Atualmente, devido ao crescimento de
crentes interessados na Fé Reformada, que começaram a conhecer as doutrinas da
graça através do Google, sites reformados, blogs e o Youtube, temos presenciado
debates no facebook e em outros meios de relacionamentos pela internet,
completamente inúteis e sem qualquer propriedade teológica. São na maioria
jovens, que não conhecem verdadeiramente o que tanto afirmam conhecer.
Na intenção de contribuir com a
reflexão sobre esse tema, proponho alguns princípios bíblicos e teológicos que
devem reger o dialogo no formato de debate, tornando-o útil e não fútil! O
contrário dessas atitudes revela a futilidade do coração no debate.
Esvaziar o coração de toda Vaidade e Orgulho
Temos que reconhecer que nosso
coração é vaidoso por natureza. Queremos ser visto pelos homens, o orgulho
coroa nossa mente e nosso coração! Quando somos desafiados a debater, a
tentação de participar e responder as provocações para humilhar o oponente e demonstrar
para os nossos admiradores que somos capazes de raciocínios profundos e
imbatíveis, é quase irresistível! Só pode ser vencido pela graça!
Na carta de Tiago aos dispersos pela
Judeia encontramos uma prática que devemos diariamente utilizar para o nosso
beneficio, e principalmente na vaidade promovida pela oportunidade de debate
(Tg 4. 9-10): Afligi-vos, lamentai e
chorai. Converta-se o vosso riso em pranto, e a vossa alegria em tristeza.
Humilhai-vos na presença do Senhor, e ele vos exaltará. A aflição diante do
Senhor é um valioso instrumento para vencermos a vaidade. Quando fazemos isso,
reconhecemos que não dependemos de nosso intelecto, mas dependemos totalmente
da ação graciosa do Senhor através da nossa argumentação fundamentada nas
Escrituras!
Glorificar a Cristo através do Debate
Tudo que fazemos e pensamos deve
visar acima de qualquer coisa, a glória de Cristo (1Co 10. 31). A nossa vida,
que envolve todos os aspectos, devem convergir unicamente para o esforço de
exaltar a Cristo e nos diminuir em sua presença! Quando pensamos deste modo, o
Senhor se agrada de nossa vida!
Fomos
criados para glorificar a Deus e viver fora desse proposito é viver de forma
pecaminosa. Temos que amar o Senhor de todo o nosso coração, alma e
entendimento, e somente através desse amor a Cristo, é que podemos
verdadeiramente amar aquele que estamos debatendo (Mt 22. 37-40).
Pregar o Evangelho no Debate
Devemos
desejar apresentar o Evangelho de Cristo para a libertação dos ímpios das
trevas da ignorância, em que vivem (Ef 4. 17-19). Em um debate com ímpios, a
intenção deve ser de apresentar o Evangelho. Paulo fez isso quando esteve em
Atenas no Areópago, o centro intelectual da época (At 17. 17): Por isso, dissertava na sinagoga entre os
judeus e os gentios piedosos; também na praça, todos os dias, entre os que se
encontravam ali. O que Paulo apresentava para esses intelectuais nesse
debate? O verso 32 revela o conteúdo da fala de Paulo e as reações contrárias
da maioria dos ouvintes: Quando ouviram
falar de ressurreição de mortos, uns escarneceram, e outros disseram: A
respeito disto te ouviremos noutra ocasião. O escarnio é natural para
mentes embrutecidas pelo pecado, todavia, aqueles que Deus chama pela sua
graça, são atraídos irresistivelmente para o Evangelho (verso 34): Houve, porém, alguns homens que se agregaram
a ele e creram; entre eles estava Dionísio, o areopagita, uma mulher chamada
Dâmaris e, com eles, outros mais.
Crer no Poder Transformador do Evangelho
Precisamos
acreditar em um debate que o Evangelho é poderoso para quebrar cadeias de
raciocínios inúteis, de vãs esperanças, e libertar o homem de si mesmo! Não são
nossos argumentos brilhantes, nossa inteligência, nossa estratégia, nossa
oratória, nosso conhecimento, mas somente o Evangelho no poder do Espírito
Santo pode transformar os corações!
Mais
uma vez cito o apóstolo Paulo, por ter sido ele, o que mais expos o Evangelho
para o mundo grego, que gostava de um debate. O apóstolo fala da sua convicção
ao escrever para os crentes em Roma (Rm 1. 16-17): Pois não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a
salvação de todo aquele que crê, primeiro do judeu e também do grego; visto que
a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o
justo viverá por fé. Não podemos nos envergonhar do Evangelho, por quê?
Porque é poder de Deus para transformar o homem!
Considerações Finais
O
debate não é proibido na Escritura se for motivado pelo desejo de glorificar a
Deus! Se o conteúdo for o Evangelho e não nossos raciocínios falazes. E
glorificará a Deus se o nosso coração estiver quebrantado e esvaziado do nosso
orgulho e vaidade!
É
necessário ter uma batalha contra o nosso ego, que exige adoração e bajulação
constante! Declarar guerra contra a vaidade que permeia a nossa mente e
coração! Fugir do desejo ardente de ser aplaudido pelos homens, pois se assim
fizermos, já teremos recebido a nossa recompensa (Mt 6.1)! Que utilizemos dos
debates para expor fielmente o Evangelho no poder do Espírito Santo, crendo que
esta Verdade é suficiente para transformar o opositor! Que o Senhor nos ajude a
lutar contra o nosso maior debatedor, o nosso velho homem!
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